Livros - Os Pilares da Terra




Prof. Pablo Michel Magalhães
Redação d'O Historiante


Faz frio aqui. A chuva, incessante, molha lá fora já há alguns dias, e a cidade quase que agradece aos céus pela água bem vinda, depois de tantos dias de sol e muito calor. Confesso que prefiro o tempo assim, meio melancólico, meio cinzento, meio choroso. Sinto-me ainda mais inclinado a ler um bom romance histórico,  deixar a imaginação fluir, relaxar um pouco a mente após o trabalho e a correria do dia-a-dia. Assim como Djavan, também aprecio um dia frio e um bom lugar pra ler um livro. E digo mais: se o livro for sobre cavaleiros e camponeses, catedrais e mosteiros, viver e sobreviver na Idade Média, aí a experiência literária é ainda melhor.


Pois bem, a pedida da vez é o livro de Ken Follett, Os Pilares da Terra, aventura ambientada no século XII, na Inglaterra, durante o período de disputa pelo trono inglês por Estevão de Blois e Matilda, herdeira do falecido rei Henrique I e esposa do duque de Anjou. Tal evento, conhecido como A Anarquia, durou de 1135 a 1153. O velho rei, sem um herdeiro homem legítimo (Henrique tinha vários filhos bastardos que não teriam direito à sucessão), buscou fazer com que os nobres ingleses jurassem fidelidade à sua filha, Matilda, aceitando-a como herdeira do trono. Porém, a jovem havia se casado pela segunda vez, com o conde de Anjou, Godofredo Plantageneta, algo que desagradou profundamente os nobres normandos, rivais de longa data dos membros da casa de Anjou. Isso abriu a possibilidade para que Estevão de Blois reclamasse o trono inglês. 

Ao longo do romance, acompanhamos a trajetória de vários personagens, simultaneamente: o desventurado, porém perseverante, Tom Construtor e sua família; Phillip, um monge beneditino fiel aos seus princípios e que busca, até o fim, completar a construção de sua catedral; a fora da lei Ellen e seu estranho filho com cabelos ruivos, Jack; Aliena, a desventurada filha de um conde acusado de traição; entre tantos outros. Quase num ritmo novelístico, somos levados pelo enredo a conhecer as angústias, alegrias, medos e escolhas de cada personagem.

Um destaque especial deve ser dado às reflexões feitas por Ken Follett sobre o espaço da mulher na sociedade feudal medieval. Utilizando-se de 3 personagens bastante características, o autor busca expor um pouco da esfera feminina e das possibilidades de uma mulher no medievo: 

1) Aliena: de jovem desprotegida, após a acusação de traição contra seu pai, ela passa a mercadora em Kingsbridge, financiando seu irmão Richard, atingindo certa independência e liberdade (mesmo assim, era sempre vista com desconfiança por muitos dos habitantes de Kingsbridge); 

2) Ellen: a fora-da-lei que vive em uma caverna na floresta, tendo criado seu filho único, Jack, longe da sociedade. Utilizava-se de ervas e raízes para praticar medicina, algo que fez com que ela adquirisse a fama de bruxa e fosse constantemente hostilizada pelos religiosos da cidade; 

3) Elizabeth: esposa submissa de William Hamleigh, ela havia se casado ainda menina, sendo vítima de todo o tipo de violência por parte do seu marido, sendo humilhada inclusive pela sogra.

Nesse ínterim, Follett nos introduz na história da Inglaterra ao trazer à baila uma jovem Matilda, tenaz em sua batalha para reaver os direitos que seu primo Estevão havia usurpado. Sempre aguerrida, Matilda (ou Maud) foge para a França, onde orquestra sua resistência, sem economizar em táticas violentas. Muito dessa ira contra Estevão vem também da vontade dela de proteger o futuro de seu filho, Henrique. A propósito, é este pequeno que, anos mais tarde, será rei da Inglaterra e desposará a bela Eleonor de Aquitânia, uma das mulheres mais famosas e desejadas nas cortes europeias.

O ponto mais alto do livro é a maneira como, além de todos esses elementos históricos, o autor esboça uma história do estilo gótico de arquitetura, através do enredo em torno da construção da catedral de Kingsbridge. O personagem Tom Construtor é um hábil pedreiro, mas almeja muito mais: tornar-se mestre construtor. Após vagar por várias cidades, ver sua esposa morrer após um complicado parto e quase morrer na floresta durante um rigoroso inverno, Tom consegue, em Kingsbridge, sua grande chance de trabalhar com o que mais ama na vida: catedrais. Através dele, do seu filho Alfred e do soturno Jack, podemos conhecer mais sobre a arquitetura gótica (ainda nascente, e que sequer é chamada dessa maneira à época em que o livro se ambienta). Por exemplo, é durante sua estadia na França que Jack conhece o estilo arquitetônico desenvolvido pelo abade Suger de Saint-Denis, considerado criador do gótico. Retornando a Kingsbridge, o jovem construtor vai aplicar à catedral local a arquitetura aprendida na Île-de-France.

Enfim, fica a dica de leitura: um bom livro, um bom enredo, e muita história. 

Aos atentos, uma curiosidade: muitos dos diálogos no livro, entre nobres e plebeus, são conduzidos de maneira natural, sem qualquer empecilho. Porém, na Inglaterra, a nobreza expressava-se através do idioma francês normando, enquanto que o povo (anglo-saxão) falava inglês arcaico. Parece que Follett esqueceu-se deste detalhe, ou ignorou as complicações linguísticas do período.

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