Um papa e muitos desafios universais
Prof. Juliano Mota Campos
Redação d'O Historiante
Habeamus papam! Fumaça branca, bilhões de pessoas
acompanhando os acontecimentos do Vaticano pelas mídias, um papa emérito em
retiro permanente; esse era o contexto eleitoral do chefe da instituição
religiosa de maior prestígio e influência do mundo: Igreja católica. Essa
assembleia universal, que se caracterizou pela unidade de 1 bilhão de católicos
em torno de um papa, e extenso legado de trabalhos sociais e missões
catequéticas, chamou a atenção do mundo pela sua opção política de
descentralizar o comando para a América latina, pelo perfil de um papa missionário
em vez de intelectual, e de proporcionar indícios de que a cúpula católica está
repensando sua estratégia política na sociedade moderna. Em que contexto
político-religioso o então cardeal argentino substitui o papa alemão? Quais são
os desafios de Sua Santidade como comandante da barca de São Pedro?
O fim do pontificado de Bento XVI pode ser atribuído, por muitos, a uma
fragilidade física/mental deste, ou por brigas por poder e má conduta
administrativa, encontradas pelo papa alemão no interior da cúria romana,
ficando explícitos através do caso VATILEAKS, ou até por uma terceira via, que
seria evitar um racha político dentro da cúpula da Igreja romana, já bastante
desgastada com os problemas (inclusive a pedofilia). Por isso, a escolha de um
líder que fosse um agregador, seja pela sua simplicidade, carisma, ou a
combinação destas virtudes, tornou-se realidade. Independente de qual seja o
motivo da renúncia papal, o importante inicialmente é compreender que esta
instituição, existente desde a idade antiga, símbolo de unidade, passa ao longo
da história por reformulações, conforme o contexto político, econômico e
cultural (não necessariamente nesta ordem de importância), e, mesmo tendo como
objetivo principal as questões de ordem espiritual, as de natureza temporal
influenciam na sua dinâmica política.
A informação, efemeridade, inovações tecnológicas e o imediatismo são
marcas registradas de uma sociedade que a cada dia encontra-se cercada de novas
demandas e anseios, clamando pela presença mais efetiva de suas instituições
sociais. Estas, por sua vez – e a Igreja Católica inclui-se nesse cenário -,
necessitam urgentemente compreender que a intolerância religiosa praticada
pelos seguidores de denominações ou crenças fundamentalistas (tanto no oriente
como no ocidente) aos que são divergentes de suas ideias, bem como a aqueles
que optam pelo ateísmo e agnosticismo, correspondem a um caminho que vai na
contramão de uma sociedade livre e democrática, como se espera um dia alcançar
em plenitude. O mundo moderno através da opinião pública está de forma cada vez
mais intensa pregando a moralidade, transparência, diálogo e igualdade de
direitos nos segmentos sociais, difundindo ideais contrários à centralização de
poder, discriminação e conivência a qualquer tipo de violência. Por isso, o
contexto no qual o novo papa foi eleito e deverá governar é o de diálogo com a
ciência, com as minorias que vêm sendo ultimamente maiorias, liderando desta
forma pelo exemplo e não apenas por palavras.
A Igreja Católica, enquanto uma organização multinacional sem fins lucrativos, contando com um
quadro de colaboradores diretos e indiretos da ordem de centenas de milhões, um
poder acumulado que a torna mais influente que muitos Estados-Nações e um
orçamento bilionário, têm desafios da mesma grandeza com que o seu gigantismo
se apresenta. Na China, por exemplo, o conflito é com o regime político local,
haja vista que o governo chinês quer controlar quem
são os bispos chineses e, por isso, Pequim passou a ordenar bispos sem a
autorização do Vaticano, existindo duas Igrejas Católicas na China: uma, oficial do regime comunista (Associação
Católica Patriótica da China); a outra, que é obrigada a atuar de forma
semiclandestina, é a Igreja Católica reconhecida pelo Vaticano. Mesmo sendo uma
minoria na China (12 milhões de cristãos), a continuidade no exercício da
diplomacia e tentativa de diálogo entre ambas as instituições pode vir, no
futuro, a plantar a semente da liberdade religiosa em um país marcado pelo seu
enclausuramento social.
Na África, mesmo com o aumento
exponencial no número de fiéis, seminaristas e igrejas, a Igreja Católica terá
de enfrentar com maior dedicação a AIDS, o envolvimento político de cardeais, a
pobreza e a concorrência com os protestantes. Parte da estratégia da Igreja
para ampliar sua base na África é prestar serviços que governos africanos têm,
nas últimas décadas, fracassado em oferecer: educação e saúde. Mas, mesmo com
esse trabalho social muito efetivo no continente em questão, o catolicismo representado
por Bento XVI (em visita à África em 2009) causou polêmica, quando o então papa
disse que o uso de preservativos não era a solução para a AIDS e agravava o
problema. A mensagem da Igreja no continente que tem 24 milhões de pessoas
afetadas pela doença (dois terços de infectados do mundo) recebeu duras
críticas da ONU e de ativistas e remou contra a maré cultural mundial.
No Oriente Médio, o radicalismo
islâmico, atrelado a questões históricas de lutas principalmente por terras e a
inabilidade do papa anterior em suas declarações sobre a crença muçulmana,
fragilizaram ainda mais as relações entre os aiatolás e o pontífice romano. Com
a primavera dos povos árabes, abre-se um caminho, mesmo que minado, sobre a
possibilidade de convivência pacífica entre os seguidores de Alá e de Cristo,
haja vista que a luta pela liberdade, autonomia e participação popular nas
decisões políticas são comuns à boa parte dos crentes orientais. Contudo, é
necessário chamar atenção para os cuidados que sua santidade terá ao estender a
mão ao mundo muçulmano, sob o perigo de alienar judeus e parecer condescendente
com o extremismo islâmico.
Em se tratando de Estados Unidos da
América, os desafios dividem-se em internos e externos. Casos de pedofilia têm
repercutido nefastamente sobre a imagem dos cardeais, bispos e padres católicos
nos EUA, fortalecendo a fuga de fiéis. O Vaticano foi (e ainda é) muito lento,
relutante e tímido na admissão e investigação das acusações de abusos sexuais.
O novo papa terá como tarefa dar sequência à punição dos criminosos e garantir
que as mudanças introduzidas por Bento XVI sejam implementadas - em especial as
orientações de proteção à infância, que devem ser cumpridas pelos bispos
católicos. Ele deve insistir em que sacerdotes atuem em conjunto com
autoridades seculares para elaborar e aprovar leis mais fortes contra o abuso
de crianças pelo mundo.
Os EUA, na figura de seu presidente,
vêm introduzindo, na agenda política do país, temas polêmicos, como o casamento
homossexual, aborto, pesquisas com células tronco, nanotecnologia, fertilização
de embriões e outros temas que concernem à biotecnologia e à bioética, sendo
estes assuntos considerados pela Sé Católica como inegociáveis, distanciando-se
esta de um debate mais aprofundado com os seus religiosos e, por consequência,
destes com os leigos, principalmente os não engajados e das áreas mais pobres e
marginalizadas do mundo. A ciência se emancipou da
religião e corre o risco de abandonar os parâmetros éticos e morais, caso os
potenciais provedores desses parâmetros fiquem divorciados dela. Por isso, a
reaproximação entre elas é fundamental para que não se construa uma sociedade
alienada a preceitos apenas cientificistas e /ou apenas religiosos.
Para superar os obstáculos que se
apresentam à Igreja Católica (e consequentemente modernizar-se), esta deverá
internamente passar por um processo de reformulação. Primeiro, implementar
as decisões do Concílio Vaticano II; isso significa mexer na estrutura
piramidal da Igreja, flexibilizar o absolutismo papal, instaurar um governo
colegiado. Seria saudável que o Vaticano deixasse de ser um Estado e o papa,
chefe de Estado, suprimindo as nunciaturas, suas representações diplomáticas. A
Santa Sé precisa confiar nas conferências episcopais, como a CNBB, que
representam os bispos de cada país e que conhecem mais de perto as reais
necessidades e medidas a serem tomadas. Segundo, rediscutir estratégias que
ponham fim ao tabu em relação à moral sexual, atraindo jovens para o debate em
torno destes temas, promoção das mulheres a cargos gerenciais altos na
Cúria, continuar a garantir que tirará proveito das tecnologias modernas para
espalhar sua mensagem, reaproximando os jovens desta instituição e despertando
novas vocações.
A Igreja Católica não deve ser infiel
aos seus princípios e valores, uma vez que esta conduta é um dos elementos que
a mantiveram unificada por tanto tempo e gozando de considerável prestígio.
Deve ter, sim, a capacidade de rever sua postura diante da modernidade,
reconsiderando a transformação dos tempos (novos modelos familiares e padrões
de sexualidade) rediscutindo internamente suas posturas e formas de dialogar,
externamente posicionando-se de maneira mais rigorosa aos casos de violência
intra e extra instituição, podendo ter como consequências de sua omissão a
marginalização dos católicos e da presença da Igreja na vida pública. Não é a
pós-modernidade que tem que se adequar a Igreja, mas o inverso, para que, desta
maneira, a liberdade e o amor ao próximo possam ser levados igualmente aos
cinco cantos do mundo independentemente da opção sexual, gênero, etnia e
condição social.
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