Conservadorismo: isso é coisa de uma sociedade privada (com direito a duplo sentido)!
Redação d'O Historiante
A nova novela da TV Globo, das 21 horas, trouxe um
personagem (o qual não lembro o nome e não quis me dar o trabalho de procurá-lo)
que seria gay e teve o seu “jeito diferente” controlado pelo pai, de modo que o
mesmo conseguiu “mudar sua opção sexual”. A referida personagem parece ter um
caráter controverso: um sujeito que ama sua mãe, mas que deve demonstrar
durante o desenvolvimento da trama um caráter manipulador e mesquinho. Ou seja,
ele será um arquétipo de “malvadão” mal compreendido do enredo. Alguns
segmentos conservadores (alguns representantes de religiões neopentecostais, a
Rede Record, grupos políticos da chamada direita conservadora e os machistas
inseguros de toda hora), por uma questão de ignorância, ou até mesmo do mercado
da mídia, vêm ressaltando a “ditadura gay” que a TV Globo vem impondo para a
população. Será que essa nova personagem está alinhada com esta construção de
um ideal de uma “ditadura gay”?
Acredito que não. Essas discussões, mais do que
interesses corporativos, escondem ou revelam as contradições de uma sociedade do
capital. A conversa aqui não é sobre homossexualidade ou o que determina
(cultura ou capital) as contradições de uma sociedade, mas apontar dois fatores
que não podem ser desconsiderados. Grana e individualismo importam sim! E sua exacerbação nos coloca na agenda das elites.
Há algum tempo, esses setores e sujeitos anônimos citados vêm
alertando a população para os perigos da manipulação da TV Globo e de seus
valores deturpados divulgados. A referida TV é "do demônio", divulga valores que
corrompem a sociedade e os males que acontecem cotidianamente (violência de
toda sorte, como assassinatos, brigas estupro e corrupção) são os frutos do que
a mesma vem plantando ao longo de vários anos através de sua produção
televisiva. Não acredito que a Globo seja uma mera caixa de diversão e que não exerce
uma função política em nossa sociedade, muito pelo contrário. Esta rede de TV já provou, por diversas vezes, que atende a interesses de setores privados, de
governos antidemocráticos, enfim, as elites políticas e econômicas de diversas
regiões do país, bem como do exterior. Mas não é a única culpada! Retirar dos
atores sociais (anônimos ou não) suas respectivas culpas não ajuda.
Uma questão
que não se pode desconsiderar, também, é que o inegável crescimento de igrejas evangélicas,
alicerçadas na teologia da prosperidade, onde as mesmas precisam de inimigos
para venderem a sua fatia da salvação para a população, vem produzindo uma onda
conservadora absurda. E seu grande inimigo da vez são os homossexuais. As
últimas polêmicas que envolveram os Felicianos e Malafaias são um sinal de que, embora a sociedade venha se abrindo para reconsiderar posições conservadoras,
como a demonização da homossexualidade, existe na contra-mão um avanço
conservador. O agressor não está mais se
escondendo e nem fugindo de debates. Pelo contrário, cada dia mais está
invadindo os horários das TV’s, defendendo suas posições sectárias,
reafirmando suas idéias anti-progressistas.
O Brasil é um país de memória curta, onde momentos cruciais
de nossa história política, como o período da ditadura, que deveriam ser
fundamentais para a construção de uma sociedade mais justa, são esquecidos.
Esquecidos muitas vezes com a rapidez de um carnaval, às vezes até mais veloz. Não
espanta, por isso, que a formação da opinião pública seja tão frágil, tão
volátil, tão conservadora (Que coisa triste!). Não espanta que o factoide do
dia de hoje ocupe os bares, esquinas, colégios, universidades e amanhã não
esteja mais na moda. Um país que sofreu um desmanche crítico e estrutural das
escolas públicas e universidades, preferindo um sistema educacional que privilegia
o ensino privado e tecnicista, tende cada dia mais a direcionar as pessoas que
não têm condições financeiras dignas ao caminho da exclusão. O crescimento da
atuação de empresas privadas em setores fundamentais, como o da educação e
saúde, leva a sociedade a um esvaziamento crítico e uma exclusão social crônica.
E os que pagam pesados impostos e obtêm esses serviços fundamentais do setor
privado deveriam se sentir lesados, pois pagam duas vezes. Mas, não se movem. Uma
Loucura essa contradição!
As pessoas que tem capacidade financeira para superar
dificuldades e ter dignidade, em se tratando de saúde, educação, transporte,
lazer, alimentação, não estão nem ai para os problemas estruturais de uma
sociedade desigual. Contentam-se com suas doações para o Tele Ton e o Criança Esperança.
Transferem uma responsabilidade dos poderes públicos para o setor privado da
caridade (que ganhou alcunha de “terceiro setor”). Pagam duas vezes para
resolver um problema social. E não resolvem nenhum problema! São incapazes de sair
de suas rotinas para reclamar dos poderes públicos junto com movimentos sociais
e sujeitos ordinários. Escondem-se nas desculpas da rotina e das suas necessidades
individuais. Para uma coisa isso serve: ajuda-nos a perceber o quão antagônico interesses
particulares podem ser dos interesses coletivos.
Mas, para estas pessoas existe uma solução. Algo que resolve
o problema do sentimento de indiferença com sujeitos explorados,
marginalizados, estigmatizados: as redes sociais e seus virais de indignação. O
potencial de divulgação e contestação que a internet tem é inegável, mas a sua
exacerbação coincide justamente com o tratamento particularizado (entenda por isso: desarticulado de interesses coletivos com propostas e ações transformadoras) que as novas
gerações vem dando à diversas questões. Se uma geração anterior achou que o
terceiro setor resolveria os problemas de desigualdade social a atual deposita
sua fé na internet. Em casa, no seus computadores e celulares, pagando seus
planos de internet, comendo, bebendo, vivendo e criticando em redes sociais... Me
parece que a lógica de uma sociedade privada (insisto no uso do duplo sentido
para esse termo), capitalizada, segue triunfante e quaisquer sinais de
contestação dessa ordem são estigmatizados de utopia cheirando a mofo e pintada de
vermelho. O caminho da rua, a TV diz que é maldito; a contestação organizada (repelida pelo Estado), o jornal chama de baderna; o #trendtopics do twitter é a moda. Entre a rua e o desktop/notebook/smartphone, vemos muita conversa pra inglês ver. Enfim, acredito ser essa uma reflexão necessária. Analisar de onde se fala e por que se fala, buscando avançar, é, no mínimo, importante.
P.S: Esse texto é auto-crítico e também não vai mudar o mundo. Quaisquer discordâncias e complementos comentem abaixo...
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