Dica cultural - A musicalidade de Bob Marley





Prof. Carl Lima
Redação d'O Historiante



“O 'reggae' não é para se ouvir; é para ser sentido. Quem não o sente, não o conhece... O que torna o 'reggae' tão importante são as letras. Há significado nas letras, pois algumas pessoas as entendem, mas outras nunca terão essas experiências.”


Esse é um pensamento de Robert Nesta Marley (1945-1981), considerado mundialmente como o Rei do Reggae. O homem que através de suas letras e da sonoridade levou os anseios de libertação e a cosmogonia Rastafári para além das fronteiras de sua fratria jamaicana. É bem verdade que sua imagem e  produção tornaram-se mercadoria para a industria cultural, algo considerado nefasto e de certa forma proibido para o Rastafarianismo, inclusive traia um de seus ensinamentos - Não aprovar os prazeres da sociedade moderna e os seus males correntes. Uma contradição, não tão incomum na História - ser apropriado pela estrutura que critica -  vide o caso do comandante Ernesto Guevara e no caso brasileiro de Mano Brown.

Mesmo com essa contradição e "pecado/sacrilégio", Bob Marley assumiu  a partir do Álbum "Natty Dread", lançado em 1974, diga-se de passagem, o primeiro como Bob Marley & The Wailers - os anteriores apenas usava-se o nome da banda - e sem a presença dos companheiros Peter Tosh e Bunny Wailer, que as letras de suas músicas seriam fortemente influenciadas pela filosofia rasta, graças ao contato com Mortimer Planno, uma espécie de sacerdote, que lhe iniciou na congregação "Doze Tribos de Israel". Para tornar suas músicas verdadeiros cânticos, introduziu na banda as I-Threes, trio de cantoras, que ajudavam nos refrões e acompanhavam no contratempo, harmonizando as canções. Nesse disco, as canções mais tocadas foram: "No woman No Cry", "So Jah Seh" e "Natty Dread". Por isso, podemos afirmar que, mesmo já contando com temática Rastafariana, a maioria das letras tinham um teor, ainda, de crítica social e não conformação com a crueldade, preconceito e hipocrisia do sistema.

Diferentemente do álbum seguinte, "Rastaman Vibration", lançado em 30 de abril de 1976, reconhecido como sendo de Reggae Roots ou Raiz, e que alavancou consideravelmente sua carreira, será com essa produção que Bob Marley se consolidará como Rei do reggae, grande astro da música negra mundial e o mais importante poeta e profeta do Rastafarianismo. Composto por 10 canções e uma faixa bônus, as mais tocadas e que devidamente entraram para o set-list de seus clássicos foram: "Positive Vibration"; "Roots, Rock, Reggae"; "War" e "Jah Live". São letras que mesmo mantendo uma linha de inconformismo com a situação de sobrevivência em conseqüência do preconceito racial, principalmente dos jovens oriundos das colônias, no cotidiano das metrópoles, teremos um embevecimento dos símbolos e valores da cultura Rastaman.

Isso pode ser notado na capa do disco.




Aparece estampado na boina do artista uma bandeira em alusão a Etiópia e precisamente as cores adotadas pelo movimento (verde = natureza; amarelo = riqueza; vermelho = sangue). O mais substancial, no entanto, é a construção sonora, amparada numa harmonia de vozes - cantor e backing -, bem como a sinfonia rítmica do instrumentos, assentada entre o silêncio e o ruído. Essa idealização sonora dá um tom intimista e classifica as canções como cantos de devoção. Uma devoção não apenas a Jah, mas também à figura emblemática de Haillê Selassiê I. Algo que explica esse momento em que o artista estava envolvido. A devoção ao "Ras Tafari" pode ser traduzida na canção "War", inspirada num discurso deste à Liga das Nações, em 1936:


"Enquanto a filosofia que declara uma raça superior e outra inferior não for finalmente e permanentemente desacreditada e abandonada; enquanto não deixarem de existir cidadãos de primeira e segunda categoria de qualquer nação; enquanto a cor da pele de uma pessoa for mais importante que a cor dos seus olhos; enquanto não forem garantidos a todos por igual os direitos humanos básicos, sem olhar a raças, até esse dia, os sonhos de paz duradoura, cidadania mundial e governo de uma moral internacional irão continuar a ser uma ilusão fugaz, a ser perseguida mas nunca alcançada. E igualmente, enquanto os regimes infelizes e ignóbeis que suprimem os nossos irmãos, em condições subumanas, em Angola, Moçambique e na África do Sul não forem superados e destruídos, enquanto o fanatismo, os preconceitos, a malícia e os interesses desumanos não forem substituídos pela compreensão, tolerância e boa-vontade, enquanto todos os Africanos não se levantarem e falarem como seres livres, iguais aos olhos de todos os homens como são no Céu, até esse dia, o continente Africano não conhecerá a Paz. Nós, Africanos, iremos lutar, se necessário, e sabemos que iremos vencer, pois somos confiantes na vitória do bem sobre o mal."





Olhem a canção:
War (Guerra)
Até que a filosofia que sustenta uma raça
Superior e outra inferior,
Seja finalmente e permanentemente desacreditada e abandonada
Havera guerra, eu digo guerra.

Até que não existam cidadãos de 1º
E 2º classe de qualquer nação
Até que a cor da pele de um homem
Seja menos significante do que a cor dos seus olhos
Havera guerra

Até que todos os direitos basicos sejam igualmente
Garantidos para todos, sem discriminação de raça,
Guerra

Ate esse dia
O sonho de paz duradoura, da cidadania mundial e
As regras da moralidade internacional,
Permanecerão como ilusões fugares
Para serem perseguidas, mas nunca alcançadas
Agora havera guerra, guerra.

Até que os regimes ignóbeis e infelizes,
Que aprisionam nossos irmãos em Angola, em Moçambique,
Africa do sul em condições subumanas,
Sejam derrubados e inteiramente destruído haverá
Guerra, eu disse guerra.

Guerra no leste, guerra no oeste,
Guerra no norte, guerra no sul,
Guerra, guerra, rumores de guerra.

Até esse dia, o continente africano
Não conhecera a paz, nós africanos lutaremos
Se necessário e sabemos que vamos vencer,
Porque estamos confiantes na vitória

Do bem sobre o mal,
Do bem sobre o mal...



Como diria um verso da canção "Jah Live": "The truth is an offense but not a sin!" (A verdade é uma ofensa, mas não um pecado!), ouvir Bob Marley é encontrar um mundo de denúncia, crítica e também devoção e idolatria, é acreditar que Jah vive em cada um de nós, um deus de amor, de paz e tolerante, completamente diferente de um Deus de guerra e de punição que cada vez mais é reproduzido em nossos templos. Só por isso, valeria a pena conhecer a obra de Robert Nesta Marley.



Comentários

Camila Bastos disse…
Texto mto bom, gostei! Vale a pena ler e trabalhar tb em sala de aula

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