Filme – Cadillac Records
Prof. André Araújo
Redação d’O Historiante.
Elvis Presley é o rei do rock, certo? Uma das lendas do ritmo que
embalou noites de romance de muitas gerações, que virou sinônimo de rebeldia
dos anos 50 em diante e teria inaugurado uma cena cultural diferente nos
Estados Unidos e no mundo. O frenético rock ‘n roll se popularizaria
mundialmente com os Beatles e teríamos um ritmo jovem, contestador e que
popularizaria novas concepções na estética musical, na moda e no comportamento
de várias gerações. Essa é uma história onde alguns sujeitos que contribuíram
para a criação desse novo ritmo foram silenciados, para não dizer roubados, de
sua propriedade intelectual. Enfim, apagados da história do rock ‘n roll. Esse
silenciamento passa necessariamente por uma revisão e discussão sobre a
contribuição da população afro-americana na música contemporânea mundial e como
a indústria cultural norte-americana negou e tentou deletar esta contribuição.
A dica cultural de hoje nos apresenta este contexto através do filme Cadillac
Records.
Muddy Waters, Chuck Berry, Howlin’ Wolf e
Etta James. Alguns nomes que alguns apreciadores da
musica rebelde podem não conhecer, mas deixaram sua marca indelével na música,
influenciando gerações de artistas que cantam e tocam o bom e velho rock. A
influencia destes “pioneiros” deixou marcas em músicos que vão desde os Rolling
Stones (cujo próprio nome da Banda é de inspiração de uma música do Muddy
Waters), Aerosmith, Black Sabbath, Eric Clapton, Jimi Hendrix (durante o filme,
não dá para ver as distorções nas primeiras eletrificações de violão sem lembrar
de Hendrix) às bandas mais atuais, não apenas no cenário internacional, como
aqui no Brasil também. Inspiração que perpassa pelo rock, hip-hop e pela dita
música pop. Foram clássicos que, vez por outra, são regravados ou apresentados em
programas de auditório ou nestes programas que caçam novos talentos (no programa
The Voice, a música “At last” de Etta James foi cantada pela concorrente Nayra
Costa).
O filme conta uma história de Leonard Chess, interpretado por Adrien
Brody (Oscar de melhor ator pelo filme “O pianista”), um empresário judeu de
Chicago, que vê na musica negra uma oportunidade de enriquecer, comprar
cadillacs e conquistar o reconhecimento do pai de sua futura esposa, que via
num imigrante judeu polonês, dono de um ferro velho, um mal sujeito para sua
filha. Chess conhece Muddy Waters (interpretado por Jeffrey Wright), um sujeito
simples do Delta do Mississipi, que havia se mudado para Chicago para tentar
ganhar a vida através da música e eletrifica a sua guitarra, dando início à trajetória de sucesso do empresário como produtor musical e fundador da “Chess
Records”. Essa foi a primeira gravadora para músicos do blues afro-americano.
Além de reconhecer o talento destes sujeitos, a exemplo do Muddy Waters, a
película tenta reproduzir o ambiente cultural dos EUA dos anos 40 aos anos 60 e
fazer a denúncia sobre os preconceitos, e consequente dificuldades, que os
artistas negros enfrentavam para terem suas musicas tocadas nas rádios. O filme
mostra também, como pano de fundo, a exploração que estes músicos sofriam
pelos seus empresários, algo que fica evidente ao mostrar o reconhecimento da
inovação destes músicos em contraposição a alguns desfechos de suas vidas na
pobreza, enquanto seus empresários ostentavam belas casas e belos carros.
O caráter de denuncia do roubo de propriedade intelectual, polêmica até os dias atuais, fica por conta
do aparecimento de Chuck Berry (interpretado pelo rapper Mos Def). Após
contrato com a Chess Records, ele é o primeiro a fazer um hit R&B e entrar
nas paradas pop. Tempos depois, envolvido em casos com menores, Chuck Berry é
preso, enquanto outros artistas na época tiveram o mesmo envolvimento público
com menores sem serem presos. Chuck Berry foi um dos primeiros artistas negros
a conseguir fazer sucesso maciço com um publico “mais plural”. Negros e brancos
no mesmo local, porem divididos por cordas. No filme, a cantora Beyonce
interpreta Etta James, uma das primeiras cantoras negras a fazer sucesso para a
população negra e branca. Diga-se de passagem, o filme reflete o ambiente
cultural das ruas e da mídia na luta pelos direitos civis, contexto esse em que
artistas negros, como Chuck Berry, boicotavam estabelecimentos notoriamente
racistas.
Além do caráter da
denuncia, outro aspecto que chama atenção é a própria trilha sonora do filme.
Quem tiver interesse em mergulhar nas influências musicais dos primórdios do
rock n’roll tem que assistir esse filme. Além de performances viscerais dos
artistas citados anteriormente, quem vir o filme poderá curtir a voz rouca e
intimidadora de Howlin Wolf , a beleza da gaita de Little Walter, o swing
misturado com a indômita personalidade e voz vibrante de Etta James,
interpretada por Beyonce. Diga-se de passagem que a interpretação da cantora
multimilionária e conhecida também pela sua beleza opulenta, lembra a de Diana
Ross no filme “Lady Sing the Blues”, um bom filme da década de 70 que conta a
trajetória da maior cantora de todos os tempos, Billie Holiday. Após o
filme ser lançado, Beyoncé cantou a musica "At Last" de Etta James no
baile de posse de Barack Obama, quando ele e sua esposa Michelle dançaram
juntos pela primeira vez como presidente e primeira-dama. É um filme que, quem
assiste, não sente as horas passarem. O filme não é melodramático, chato nos
detalhes biográficos, de difícil compreensão por não conhecer os artistas
citados. É um bom filme para amantes do rock e para quem não gosta de rock
também. Uma forma de perceber a musica como um instrumento político e de
resistência.
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