Livro - "A vida Verdadeira de Domingos Xavier", de José Luandino Vieira
Prof. Carl Lima
Redação d' Historiante
Angola, 1961, período ainda de colonização no território, momento de grande agitação
cultural com destaque para o aparecimento de romancistas, contistas,
jornalistas e poetas que criticavam essa situação e buscavam evidenciar de
maneira ampla um dito nacionalismo angolano e uma possível angolanidade. Foi
justamente através das letras que apareceram as raízes de um povo
subjugado desde os fins do século anterior. É neste contexto que surge José
Luandino Vieira, nascido, criado e formado na educação portuguesa do ditador
fascista Antonio de Oliveira Salazar, e todas as suas obras, como Luanda
(1964), Vidas Novas (1962), A Cidade e a Infância (1960), têm uma
característica em comum: a denúncia e o combate à assimilação estabelecido pelo
processo colonial.
Luandino Vieira
A obra A Vida Verdadeira de Domingos Xavier, aqui
indicada, traz uma narração sobre a vida e a morte de um tratorista, um homem
simples, porém decidido, que foi transformado em símbolo da resistência angolana
ante a cultura européia.
O texto amarra de maneira simples e direta a vida
das personagens, transformando-as em verdadeiros representantes do cenário
social de Angola, no qual cada um desempenha seu papel e une forças contra a
administração colonial, responsável pela manutenção do binômio dominador X
dominado. De Domingos Xavier (protagonista da história) à Mussunda (personagem
que representa o espírito de liberdade ),de Velho Petelo (marinheiro aposentado
e responsável por espreitar e informar os desmandos do colonizador) à Miúdo Zito
(menino inteligente e sagaz, que é o
símbolo do futuro de Angola longe do processo educacional da metrópole), de
Silvestre (branco que concorda, apóia e luta pela libertação da colônia) a Xico
Kafundanga (funcionário da administração colonial que representa a tomada de
consciência e o acordar do povo para a necessidade da formação de uma nação) a
estória se passa entre o interior do país, numa localidade em que estava sendo
construída uma barragem, no rio Kuanza, e os musseques (bairros pobres, tipo
favela) em Luanda, capital de Angola, onde era formado o espírito de resignação e
vontade de liberdade, seja pelo preconceito racial, seja pela situação miserável
imposta pelos dominadores aos nativos da colônia.
Em relação à construção da narrativa, duas
características devem ser ressaltadas, a primeira delas fica por conta da
linguagem, mesmo escrita num português moderno, o autor nos presenteia com
alguns vocábulos que ora é uma volta às raízes de uma Angola tradicional, como
takudimoxi (uma nádega), aiuê (exclamação de lamento), ora são corruptelas de
um idioma imposto a uma cultura popular, como bessá (benção) e chivro
(Chevrolet). A segunda nos mostra a importância que os rios têm para as
civilizações africanas e, no caso de Angola, o rio Kuanza, representante nato
do nacionalismo angolano e que aparece nas falas de alguns personagens
(Domingos Xavier e Maria, sua esposa) o momento que a obra abre uma digressão
do tom realista ao tom poético, transcendendo o anseio de liberdade: “Lá
embaixo o Kuanza rugia zangado, adivinhando a boca de betão que esperava para
lhe engolir, obrigando-lhea furar o morro num caminho de poucas centenas de
metro”(p.71)
Sob o ponto de vista Histórico, a obra nos apresenta
a questão da formação de um nacionalismo em Angola e a sua importância para a
independência do país, ocorrida em 11 de novembro de 1975. Nessa discussão, o
mais relevante é a preocupação em
diferenciar o nacionalismo
europeu e aquele que ganhou evidência no território africano. Se o primeiro
nasceu da necessidade de organizar politicamente em um território, um povo de
identidade cultural e passado histórico em comum, o segundo aparece a partir do
momento que grupos culturais historicamente diferentes são submetidos a um
único senhor estrangeiro que, no caso de Angola, foi Portugal.
Após o período entre guerras, alguns intelectuais
“modernistas”, como José Luandino Vieira, tiveram a responsabilidade de forjar
uma identidade comum entre esses povos, o que seria premissa para formação de
uma nação, tomando por base os territórios delimitados quando da partilha da
África. Os responsáveis por forjar essa nação tomando de principio os
territórios artificiais impostos pelos europeus são chamados de “Modernistas”,
segundo B.O.Oloruntimehin, por justamente terem que agir dentro de condições
impostas e definidas no exterior, através de valores e concepções da própria metrópole .
Luta Armada Civil em Angola, 1962
Esse processo de nacionalismo tinha como ideal a
consciência racial, para através dela conseguir atingir a soberania e a tão
sonhada independência. Mas para isso ocorrer, o povo angolano tinha que lutar e
derrotar duas grandes armas imperiais. A primeira delas, a opressão do estado
português que utilizava a censura, a polícia secreta e a força militar,
amparados pela violência, para controlar e reprimir os contrários à sua
dominação, como pode ser notado no decorrer da obra, mostrando Domingos Xavier
espancado até a morte, por se negar a delatar os “irmãos” do movimento de
soberania. A segunda é a difusão da cultura européia, que se faz de maneira
mais objetiva pela educação e é responsável por criar uma sociedade com
valores, modos de agir e pensar, que coadunam com os interesses da potência
imperialista.
Com “A Vida Verdadeira de Domingos Xavier”, José
Luandino Vieira nos emociona. Em poucas páginas resume o sentimento de um povo
que luta por algo que é a verdadeira riqueza da humanidade: a liberdade.
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