Livro - "Quatro dias de rebelião", de Joel Rufino dos Santos.
Profº André Araújo
Redação d'O Historiante
“Queremos pão, vacina não!”, palavras de ordem desse gênero
ecoaram no Rio de janeiro em 1904. Revoltosos no Rio de Janeiro, então capital
brasileira, reclamavam de políticas públicas autoritárias, mesmo que as mesmas
visassem acabar com a varíola, doença que assolava a população carioca. Nesse
cenário, Joel Rufino dos Santos pede licença aos métodos rígidos de sua
formação de historiador e lança mão de uma escrita ficcional para nos aproximar
deste episódio conhecido como a Revolta da Vacina através do seu livro “Quatro
dias de rebelião”. A sua versão romanceada do episódio contém personagens
famosos e anônimos desse Rio de Janeiro do início do século XX, bem como
personagens inventados. Da mesma forma como mesclam-se pessoas reais e
inventadas no livro, assim ocorre também
com os locais, alguns fictícios, outros reais (como a Rua da Pouca Vergonha), mesmo que tenha-se lhes atribuído fatos que
não ocorreram necessariamente naquele local.
A Rua da Pouca Vergonha foi palco de um levante popular,
onde de forma organizada a população buscou evitar que sanitaristas e policiais
invadissem as casas de populares para aplicação da vacinação compulsória contra
a varíola. Pessoas de faixas etárias diferentes, homens e mulheres, com diversa
formação escolar, classes sociais distintas, mas predominantemente classes
populares, compuseram a rede de pessoas ligadas ao levante popular. O grande
mérito do Joel Rufino foi o de dar voz a essas personagens, principalmente os
anônimos. Os ex-presidentes Rodrigues Alves e Floriano Peixoto, o sanitarista Oswaldo
Cruz, que conseguiu convencer o congresso a tornar a vacinação obrigatória, compõem
o plano de fundo da Revolta. Pessoas como Manduca, Marreta, Rosemblim, Amélia, os
capoeiristas guaiamuns, dentre outros dão vida a história e seus olhares e
expectativas com o movimento contestatório são descortinados para tentarmos
perceber quais os anseios dessas pessoas que tradicionalmente os livros didáticos
sequer mencionam.
O Rio de Janeiro passava por grandes reformas que visavam
alargar ruas, trazer bens culturais e novidades científicas que representassem
a inserção do Brasil no novo século com ares de país moderno. Foi feita uma
reforma conhecida como “Bota-Abaixo”, onde cortiços foram derrubados, a
população pobre transferida para regiões mais distantes, regiões essas que
deram origens as atuais favelas. A população pobre percebendo o descaso e ou
abuso dos governantes, revoltadas com o aumento do preço de bondes, com os
altos índices de desemprego e com a violência da campanha vacinatória resolveram
explodir contra a opressão do Estado. Se a revolta acabou sendo conhecida por
causa da vacina, e críticos conservadores colocam o episódio como mais um ponto
negativo da população brasileira, que segundo estes, seria ignorante,
incivilizada e contra o progresso, o relato do Joel Rufino dos Santos nos faz
perceber que a população foi completamente alijada na construção deste anseio
modernizante. Não conheciam a eficácia da vacina, apenas foram apresentadas a ação
da polícia e dos sanitaristas que invadiram casas, seguraram pessoas à força e
aplicaram a vacina compulsoriamente.
O autor aponta que a Revolta foi apenas o estopim, pois,
como sugerem as falas das personagens do livro, a população estava indignada
com o autoritarismo/violência há tempos. Estavam, inclusive, cientes de que não
deveriam estar inertes a esta situação. A Revolta acabara-se como um fogo de
palha, como diz o próprio autor. A vacinação deixou de ser compulsória, houve
campanha para divulgar os efeitos da vacina, mas um dos motivos que ele
apresenta para o desfecho rápido da Revolta foi a própria consciência que os
revoltosos tinham com relação ao uso político que oposicionistas à Rodrigues
Alves poderiam fazer do movimento popular. O livro é uma obra interessante para
complementar aulas, pesquisar em fontes literárias sobre o tema, ou mesmo,
sobre o próprio período abordado, oferecendo interpretações sobre a Revolta da
Vacina. Fugindo de textos acadêmicos complexos, utilizando uma linguagem
bastante acessível, respeitando personagens que existiram de fato, avisando
também que trata-se de uma obra de ficção, e fornecendo leveza no trato com um
evento histórico, o livro “Quatro dias de rebelião” é um suporte interessante
para introdução ao tema das reformas modernas na então capital brasileira e sobre
uma das revoltas populares mais conhecidas, a Revolta da vacina.
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