Uma carta indignada a um Meritíssimo Juiz (e também para muitos outros): Vocês não passarão sobre nós!
Tatiane Duarte
Umbandista
Antropóloga
Cidadã
Da Redação d´O Historiante
Explicito aos leitores o motivo desta
carta indignada. O babalorixá Marcio Jagun
abriu uma denúncia no Ministério Público pedindo a retirada de vídeos da
internet por conta de seus conteúdos ofensivos às crenças de matriz africana e
por incitação à violência, no caso, invasão de terreiros. Em resposta, o Meritíssimo
Juiz, a quem escrevo esta carta, afirmou que “as manifestações religiosas
afro-brasileiras não se constituem em religiões”, pois, não possuem um texto
base, uma estrutura hierárquica e um Deus a ser venerado. Logo, não poderiam
reivindicar direito a proteção do Estado para exercer sua expressão religiosa.
Por certo, a Procuradoria da República
entrou com recurso contra a decisão pedindo a suspensão da circulação dos
vídeos e reafirmando o caráter discriminatório da sentença e que também desampara legalmente os praticante da umbanda e do candomblé (Vejam em http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2014/05/lideres-do-candomble-e-da-umbanda-temem-violencia-apos-decisao-de-juiz.html)
Quando soube que o
Meritíssimo Juiz da 17a Vara da Justiça Federal do Rio de Janeiro Eugênio Rosa
de Araújo deferiu que a umbanda e o candomblé não possuíam traços de RELIGIÃO,
senti um ódio mortal. Ódio de tantas arbitrariedades, de tantas
violências, ódio. É ódio que estes representantes (agora no Judiciário) de uma
fé cega e burra desejam produzir em nós. Eu não quero mais sentir ódio, minha RELIGIÃO
prega amor e caridade ao próximo, amor em sua forma mais ampla,
irrestrita e sublime. Por isso, eu vos digo: os amo senhores donos da RELIGIÃO
porque é desamor o que vocês tem pra dar. Que Deus tenha piedade de vossas
almas cheias de rancor...
Mas, se resigno como RELIGIOSA, não me
calarei como antropóloga e como cidadã. Não assistirei o direito democrático de
exercer minha RELIGIÃO de forma livre e sem sofrer quaisquer discriminações se
desfazer. Chega de evangélicos invadindo nossos terreiros, quebrando nossas
imagens. Eu nem
desejo saber a quem este Meritíssimo serve (pois, não é a Justiça) para ter
cometido um ato tão desastroso não apenas para nós umbandistas e
candomblecistas, mas para toda a Nação. Uma Nação que adora se dizer plural,
mas que vem se mostrando cada dia mais unicolor, assim, vamos colorir esta
Nação contra estes discursos de ódio e preconceitos!
Vamos à Justiça cada
vez mais irmãos contra estes atos! Nós, povo do santo temos que nos mobilizar e nos politizar, não podemos mais nos silenciar diante de tantos atos de discriminação. Toquemos nossos atabaques, cantemos nossos pontos! Façamos nossa giras! Batamos nossas cabeças no congá! Que Xangô nos dê Justiça, que Olorun nos defenda de tanto mal!! Pois agora, temos que enfrentar aqueles
que deveriam nos defender, que nos unamos contra representantes da (in)justiça,
pois, este Juiz feriu pactos internacionais, Estatuto da Igualdade Racial e até
a nossa Constituição. Ora,
não basta sermos perseguidos, discriminados, violados todos os dias, estamos
submetidos a sentença de um Juiz que parece não saber nem de Justiça
muito menos o que é religião.
Por
isso, vou falar de respeito à diversidade e sobre a consciência cidadã, que
devemos ainda formar neste país. A liberdade de expressão não é algo absoluto.
Se, quaisquer representantes e adeptos de outras religiões afirmam em vídeo que
tem o direito (divino?) de invadir um terreno do sagrado do outro, seu direito
de se expressar acaba, ele se torna violência e deve ser punido pelo Estado.
Esta
é a questão que devemos debater daqui para frente neste país: os limites dos
conceitos democráticos. Pois, os direitos não são absolutos, eles devem ser
ponderados quando se conflitam com outros direitos. No caso em questão é ainda
mais grave, pois, ao invés de nos proteger de atos de violência, este Senhor
nos deslegitimou enquanto sujeitos de direitos. E disse mais: apenas as grandes
religiões, monoteístas, podem ser protegidas pela Lei deste país. Minorias religiosas,
seitas, politeístas, pagãos, em breve, ateus, não possuirão mais
direitos. Unam-se a eles, ou morram. Santa Inquisição!!
Para o nosso bem, alguns representantes
de outras religiões vieram a público para condenar a atitude do magistrado e se dispondo a participar de atos em defesa da legalidade jurídica e religiosa das religiões afro. (Vejam em http://odia.ig.com.br/noticia/rio-de-janeiro/2014-05-17/decisao-da-justica-sobre-cultos-afro-brasileiros-surpreende-ate-frei-e-pastor.html). Isso aponta para o discernimento de alguns líderes religiosos sobre a
importância do respeito, da diversidade e da liberdade de crença, direitos
fundamentais em uma democracia que tende ainda para um monismo em todas as
áreas da vida humana.
Vale frisar que a notícia somente
ganhou destaque após as manifestações nas redes sociais. Por isso, faço
dois apelos aos meus irmãos de fé e a todos os cidadãos deste país
que creem ainda em um país DEMOCRÁTICO e PLURAL. O primeiro deles é
para que assinem a petição "Justiça Federal: Reconheça a Umbanda e o
Candomblé como religião" que tem como objetivo reverter a sentença que
versa contra as religiões de matriz africana e alertar para seu ato
discriminatório. É um ato cível importante. Assinem
em https://secure.avaaz.org/po/petition/Justica_Federal_Reconheca_a_Umbanda_e_o_Candomble_como_religi
Em segundo lugar, peço aos que estão no
Rio que participem do “Ato em Solidariedade às Religiões de Matriz
Africana”, que ocorrerá no dia 21 de maio às 17h, em local ainda a ser
definido. E divulguem em suas redes. Vamos fazer uma corrente do bem, um clamor
pelos direitos democráticos e um viva à diversidade religiosa!!!
Sugiro também para aqueles que ainda
têm dúvidas sobre nossas tradições, que estudem, pesquisem, leiam, conheçam!!! Achismos
e ignorância nos levam não apenas ao etnocentrismo, mas aos fundamentalismos
torpes! Para uma introdução ao assunto, veja: http://www.pierreverger.org/fpv/index.php/br/pierre-fatumbi-verger/sua-obra/bibliografia-detalhada/23-non-categorise/br-pierre-fatumbi-verger/br-sua-obra/br-bibliografia-detalhada/6-bibliografia-detalhada).
Perdoai-vos, eles sabem BEM o que fazem....
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