As festas de Junho no "Brazil", não são da Copa: Viva São João!!!!

Tatiane Duarte
Da Redação d´O Historiante


 "A pregação de São João Batista", de Francesco Ubertini Bacchiacca

Pula a fogueira de São João!

"Em toda a Europa os camponeses têm, desde tempos imemoriais, o costume de acender fogueiras em certos dias do ano e dançar e saltar à volta delas. Costumes desse tipo podem remontar, segundo as evidências históricas, à Idade Média, e sua analogia com costumes semelhantes observados na Antiguidade contribui, com forte coerência interna, para provar que sua origem deve ser procurada num período muito anterior à difusão do cristianismo. Na verdade, a mais antiga prova de sua ocorrência no norte da Europa nos é proporcionada pelas tentativas feitas pelos sínodos cristãos, no século VIII, para acabar com esses costumes, sob a alegação de que eram ritos pagãos. [...]. Mas a época em que geralmente essas festas dos fogos eram realizadas em toda a Europa é o solstício de verão, isto é, a véspera do solstício (23 de junho) ou o próprio dia do solstício (24 de junho). O solstício de verão é o grande momento na carreira do sol, quando, depois de ir subindo dia a dia, cada vez mais alto no céu, ele pára e, a partir de então, faz de volta o caminho celeste que havia  trilhado. Esse momento não podia ser visto senão com preocupação pelo homem primitivo. As fogueiras do solstício de verão existiram em toda essa região do globo, desde a Irlanda, no oeste, até a Rússia, no leste, e da Noruega e da Suécia, no norte, até a Espanha e a Grécia, no sul. Segundo um autor medieval, as três grandes características da comemoração do Solstício de Verão eram as fogueiras, a procissão com tochas pelos campos e o costume de fazer girar uma roda. [...]. Embora   se possa considerar  como  certa  a  origem  pagã  do costume, a Igreja Católica lançou sobre ele um véu   cristão, declarando ousadamente que as fogueiras eram acesas em sinal do regozijo geral pelo nascimento do Batista, que oportunamente veio ao mundo no solstício de verão, exatamente como fez seu grande sucessor,  no solstício de inverno, de modo que se podia afirmar que todo o ano girava em torno desses dois eixos dourados dos dois grandes aniversários" (FRAZER, 1890, s/p)

Em Junho o que o Brasil sedia mesmo são as festas populares juninas, especialmente na região Nordeste. Quadrilhas, quermesses, pau-de-sebo, correio elegante (ou do amor), casamento, balões, brincadeiras, quentões, bandeirinhas, fogueiras. Qual a história desta festividade que expressa a cultura popular brasileira e marca o calendário anual do país. com ou sem Copa do Mundo?


Se hoje as festas juninas estão vinculadas ao catolicismo, não devemos esquecer de sua origens pagãs. As fogueiras do solstício de verão marcavam a passagem da primavera para o verão, a superação do inverno, quando diversos povos agrários do hemisfério norte realizavam ritos de fertilidade, para a fartura das colheitas. O antropólogo escocês do século XIX, James Frazer retomou estes rituais a partir das figuras de Tamuz ou Adônis que morriam e voltavam novamente à vida representando a decadência e o renascimento anuais da vida, especialmente da vida vegetal.

Adônis para os gregos, Osíris para os egípcios, Tamuz, deus sumério, amante de Ishtar, é associado à agricultura, pois, morreu e ressuscitou no ano seguinte, como a vegetação que renasce todos os anos. A morte de Tamuz era chorada “ao som da música das flautas, por homens e mulheres,   no  solstício  do   verão,   no   mês   de Tamuz, assim chamado em sua honra”. Tal como explicita o texto hebraico do Velho Testamento: “E levou-me à entrada da porta da casa do Senhor, que está do lado norte, e eis que estavam ali mulheres assentadas chorando a Tamuz” (Ezequiel, capítulo 8, versículo 14). Adônis  foi  cultuado pelos  povos semitas da Babilônia e da Síria, e os gregos deles o tomaram já no século VII a.C, tornando-o o espírito dos cereais, homenageado durante oito dias em um ritual de fertilidade agrícola.

Na era cristã, os festejos do solstício de verão, mesmo considerados pagãos, foram incorporados pela Igreja Católica às culturas locais, como o dia de São João, nascido em 24 de junho, dia do solstício, cujo nascimento foi anunciado através de uma fogueira. Os portugueses trouxeram a  comemoração do solstício de verão ao Brasil, mas, os indígenas já realizavam um ritual de atear fogo no mato para espantar os espíritos malignos que impediam a fertilidade das plantações. Durante o processo de colonização, os rituais foram ganhando feições cristãs, sendo incorporados ao calendário de festejos aos santos católicos. 

Embora aconteça no inverno, a Festa de São João coincide com o início da colheita do milho, plantado no dia 19 de março, dia de São José, base da alimentação dos festejos juninos. A Festa de São João está relacionada também com a forma de sociabilidade que foi bem característico do Brasil: as relações de compadrio. Segundo Rangel (2008), “havia duas formas principais de tornar-se compadre e comadre, padrinho e madrinha: uma era, e ainda é, pelo batismo; a outra, por meio da fogueira” (p. 23). No nordeste brasileiro, à comemoração ao dia do primo de Jesus, João Batista, incorporaram-se outros santos, Antônio (13 de junho) e Pedro (29 de junho). Além de São Marçal (30 de junho) que no Maranhão fecha o ciclo dos festejos juninos

São João em São Luís do Maranhão, Brasil.


Santo Antônio, santo casamenteiro, é posto de cabeça para baixo, afogado em copos d´água pelas moças que desejam contrair casamento (vale lembrar que aqui o Valentine´s Day é comemorado um dia antes de Antônio, influência da popularidade do santo). Simpatias, Sortes e Adivinhas são feitas a Santo Antônio, a relação dos devotos com o santo é cheio de intimidades, você pode pedir até para sua seleção ser campeã da World Cup! Santo Antônio, além de casamenteiro, era venerado pelos escravos que, obrigados a professar a religião católica, acendiam grandes fogueiras a Santo Antônio, mas, seguiam a crença africana de seus ancestrais. O dono do fogo Exu passou a ser venerado como Santo Antônio no dia 13 de junho nos rituais da Umbanda.

São João é homenageado com festividade e comensalidade no nordeste brasileiro em junho, sendo o festejo mais importante para o calendário da região até mesmo o carnaval, rito de origem pagã, característico da cultura nacional. No mês de junho, Campina Grande,  Maceió, Recife, Caruaru, Canudos e São Luís realizam o São João com fogos de artifício, balões, danças e claro, a fogueira.

Outra  performance feita durante as festas juninas também não tem origem cristã, como a quadrilha, inspirada na contredanse française introduzida no Brasil durante a Regência Imperial no século XVIII, dança que reinava nos salões da corte imperial no século XIX. A dança foi popularizada, à sua musica foi incorporada o som da sanfona, do triângulo e da zabumba. Criou-se a quadrilha caipira, dançada em todos os arraías do Brasil. No dia 29 de junho, é comemorado o dia de São Pedro, padroeiro dos pescadores, com missas e procissão de barcos. Fundador da Igreja Católica, Pedro foi um dos 12 apóstolos escolhidos pessoalmente pelo Cristo para criar sua Igreja, a festa em sua homenagem marca o fim do tempo das festas juninas no Brasil.

Se vai ter Copa ou não (who knows?), mas, Junho no Brasil, é tempo de acender a fogueira de São João!!

O balão vai subindo 
Vem caindo a garoa 
O céu é tão lindo 
E a noite é tão boa 
São João! São João! 
Acende a fogueira 
No meu coração 

Sonho de Papel (Alberto Ribeiro e João de Barro, 1935).



Referências bibliográficas:

FRAZER, James G. O Ramo de Ouro (versão resumida e ilustrada). Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1982 [1890]. Disponível em português em http://www.classicos12011.files.wordpress.com/2011/03/45354652-o-ramo-de-ouro-sir-james-george-frazer-ilustrado.pdf Disponível completo em inglês em http://ebooks.adelaide.edu.au/f/frazer/james/golden/chapter62.html#section123

RANGEL, Lúcia Helena Vitalli. Festas juninas, festas de São João: origens, tradições e história. São Paulo: Publishing Solutions, 2008. Disponível online em http://www.festajunina.com.br/2014/biblioteca/livro_festas_juninas.pdf




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